RIO – A cientista polonesa Marie Curie, que morreu há exatos 85 anos, descobriu o polônio e o rádio, criou o termo radioatividade, foi a primeira mulher a fazer doutorado na França e ganhou dois prêmios Nobel em áreas distintas, Física e Química, quando ninguém ainda havia conseguido esse feito. Tudo isso na virada do século XIX para o XX, quando mulheres raramente eram aceitas em universidades e, quando conseguiam ingressar, ouviam críticas. Para a sociedade da época, estudar não era atividade de uma “moça distinta”. Mas, com sua coragem e determinação, Marie se tornou a cientista mais conhecida no mundo e um exemplo na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres .
– Contra tudo e contra todos ela conseguiu feitos emblemáticos. É uma mulher inovadora que desafiou o seu tempo – diz a professora de Engenharia Química da Coppe/UFRJ Angela Uller, até hoje a única mulher a comandar o maior centro de ensino e pesquisa de engenharia da América Latina em seus 56 anos de fundação.
Nascida na Polônia, em 1867, Marie se formou aos 15 anos, em primeiro lugar em todas as matérias. Ela tentou ingressar na faculdade em Varsóvia, onde morava, mas nenhuma das instituições universitárias aceitavam meninas na época. Aos 24 anos, quando já tinha como se sustentar, partiu para Paris e matriculou-se na universidade de Sorbonne. Em 1894, já tinha dois diplomas, de física e matemática. Foi nessa mesma época que conheceu Pierre Curie, também cientista e professor, com quem se casou e compartilhou a paixão pelo trabalho.
A gente escolhe o que conhece e, meninos e meninas têm brinquedos e comportamentos bastante marcados desde pequenos . A menina é incentivada a brincar de boneca e casinha, não à toa são maioria nas carreiras que envolvem cuidados de pessoas, nas áreas da Saúde e Educação. Enquanto os meninos ganham videogame e são incentivados a se aventurar. Como lhes são apresentados mundos diferentes, isso desperta vontades diferentes e, quando crescem, acabam fazendo as escolhas mais confortáveis
RIO – Até 2030, a participação feminina no mercado de trabalho brasileiro deve crescer mais que a masculina, indica estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).Mudanças culturais, a conquista de direitos e um maior investimento em educação pelas mulheres explicam o movimento. Com mais anos de estudo e em maioria no ensino superior, elas se tornaram uma mão de obra mais qualificada que a masculina, apontam especialistas.
Os pesquisadores estimam que, daqui onze anos, 64,3% das mulheres consideradas em idade ativa, com 17 a 70 anos, estarão empregadas ou buscando trabalho. No início dos anos 1990, essa parcela era menor (56,1%). Já a participação masculina deve encolher de 89,6% para 82,7% nessas quatro décadas. As projeções foram feitas a partir de dados da Pesquisa Pnad Contínua, do IBGE. Elas não incorporam os efeitos da provável aprovação da reforma da Previdência, que fará com que os brasileiros se retirem mais tarde do mercado de trabalho.
O técnico de Planejamento e Pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Miguel Foguel, e um dos autores do estudo, diz que o efeito geracional é a explicação mais evidente para esse aumento:
— As gerações femininas mais novas têm maior propensão a participar do mercado. Houve mudanças nos padrões culturais e quebras de estereótipos do papel da mulher, ainda que se tenha muito a avançar. A lei do divórcio, criada nos anos 1970, e o desenvolvimento da tecnologia, que aparelhou muitas casas e diminuiu o tempo gasto pelas mulheres nos afazeres domésticos, ajudaram a taxa de participação feminina crescer.
A coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF, Lucilene Morandi, observa que não só aumentou o número de mulheres trabalhadoras como elas também chegam ao mercado mais escolarizadas que os homens.
— As mulheres ganharam competitividade.
Lucilene Morandi
Para Foguel, a maior escolaridade feminina pode ajudar a explicar a tendência de queda da participação do homem no mundo laboral:
— Num mercado que passou a exigir cada vez mais qualificação, as mulheres levam vantagem e acabam substituindo os homens em algumas funções.
— A renda das mulheres acompanhou a alta da escolaridade, mas a diminuição da diferença em relação ao salário do homem parece ter alcançado um teto. E a tendência é a desigualdade voltar a aumentar, pois são as mulheres que ficam com as piores ocupações ou perdem mais o emprego em anos de crise, como os que vivemos — observa Lucilene.
Em 2004, mulheres ganhavam 70% do que recebia o homem; em 2005, 71%, parcela que permaneceu até 2009, chegando a 76,8% em 2014 e 79,5% em 2018. A pesquisa do IPEA não fez projeções para a evolução das renda desses dois grupos.
Apesar das projeções indicarem crescimento da participação feminina no mundo laboral, em 2030 mais de um terço (35,5%) das mulheres em idade de trabalhar ainda estarão fora do mercado, de acordo com o estudo. A responsabilidade pelos cuidados da casa, de filhos e idosos da família, que recai sobre a mulher; a ausência de licença-paternidade remunerada e a falta de creches públicas de qualidade são barreiras à busca por emprego e reforçam a falsa percepção de a mão de obra feminina ser menos produtiva.
De acordo com o documento, intitulado “O futuro das mulheres no trabalho: transições na era da automação”, essas mulheres terão de aumentar seus anos de estudo ou se requalificar para não se verem seus salários encolherem ou terem de sair do mercado. O risco existe porque muitos dos trabalhos que concentram mão de obra feminina, como de atendimento ao cliente, caixas de supermercado e secretariado, serão automatizados. E as chamadas profissões do futurodemandarão profissionais das áreas das Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, onde a participação feminina é baixa.
— Todo trabalho repetitivo e manual tende a ser automatizado. A mulher terá de aprender a lidar com a tecnologia porque é uma habilidade que as empresas que pagarão os melhores salários vão exigir — alerta Fernanda Mayol, sócia da prática de Organização da McKinsey no Rio.
Atenta às tendências, a estudante do terceiro ano de uma escola técnica da capital paulista, Maria Isabel Dias de Oliveira, de 17 anos, já tem no currículo um curso de programação e planos bem traçados para o futuro. Vai prestar vestibular para o curso de Ciências da Computação e, quando concluir a graduação, pretende fazer uma pós em neurociência.
— Nunca fui muito boa em matemática, mas vi um documentário sobre a Grace Hopper, uma analista de sistemas da Marinha americana que inventou o conceito debug, e passei a me interessar. Como gosto muito de biologia, pensei em juntar as duas coisas. Por isso escolhi esse curso e pretendo fazer a pós em neurociência — conta a adolescente, que faz técnico em Química.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF, Lucilene Morandi a participação das famílias na criação da novas gerações é fundamental para a sobrevivência das mulheres no mercado do futuro:
— As meninas são treinadas desde criancinha a não se envolver com as áreas das ciências exatas, por dos brinquedos e elogios que recebem dos pais e familiares. E a gente escolhe o que a gente conhece e o que está perto. Por isso é importante elas conhecerem exemplos de mulheres bem-sucedidas nessas áreas desde crianças.
RIO – A Espanha deu um grande passo em direção à igualdade de gênero no mercado de trabalho neste mês de março. O governo aprovou por decreto a equiparação das licenças de paternidade e maternidade no país. Hoje, os pais espanhóis podem se afastar por cinco semanas para cuidar do filho recém-nascido, enquanto as mães têm direito a 16 semanas. A partir de 2021, eles também disporão dos mesmos quatro meses que as mulheres. Os salários, em ambos os casos, são pagos em sua integralidade e o pai não pode transferir seu período de licença para a companheira. Com essa mudança, a Espanha se torna o país com a licença-paternidade mais extensa da Europa.
Suécia e Islândia, que têm as políticas de igualdade de gênero mais avançadas, concedem três meses de afastamento tanto para o pai como para a mãe, com pagamento de 80% de seus salários. Na Suécia, o casal ainda pode compartilhar mais dez meses de licença e na Islândia podem se revezar por mais três meses. Na prática, no entanto, esse período que poderia ser compartilhado geralmente é usufruído pelas mulheres.
A idade fértil das mulheres, entre 25 e 40 anos, é justamente quando é possível galgar cargos mais altos na carreira. Como só as mulheres se licenciam por meses após terem filhos, acabam sendo preteridas com frequência e ficam com postos de menores salários. Quando a Espanha assume que essa responsabilidade é de ambos os pais, ganha toda a sociedade.
Nos últimos quatro anos, a necessidade de aumentar a renda familiar, corroída pela inflação e pelo desemprego, acelerou o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, movimento observado desde os anos 1990. Entre o terceiro trimestre de 2014 e o mesmo período de 2018, quatro milhões de mulheres decidiram sair de casa para trabalhar, um crescimento de 9,2%, segundo dados da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE. No entanto, três em cada quatro delas ainda buscam uma ocupação. E boa parte das que conseguiram trabalho está na informalidade.
Com esse acréscimo em quatro anos, as mulheres já representam 44,6% do mercado de trabalho. Em 2014, no início da crise econômica, elas eram 43,3%. Os homens ainda são maioria, 55,4%, mas esse percentual caiu desde 2014, quando correspondiam a 56,7%. Em quatro anos, o número de homens disponíveis para o trabalho aumentou em ritmo menor, 3,9%, resultando num acréscimo de 2,2 milhões de indivíduos.
— Na crise, mulheres e homens foram afetados pelo desemprego. Mas, enquanto as mulheres têm se mostrado mais persistentes na procura, os homens têm ido para a inatividade — diz Thaís Barcellos, economista da Consultoria iDados.
Essa maior resiliência, segundo especialistas, está ligada a dois fatores: a maior escolaridade feminina — elas já são maioria no ensino superior — e os movimentos por igualdade de gênero, que se acentuaram no mesmo período da recessão. Regina Madalozzo, economista do Insper especializada na atuação da mulher no mercado de trabalho, diz que as mulheres ganharam mais confiança:
— Um grupo maior de mulheres desempregadas, ainda que seja uma estatística triste, tem uma perspectiva positiva. Se elas foram buscar trabalho, é porque se sentem capazes de conquistar uma vaga — diz Regina, para quem o avanço da escolaridade é um importante instrumento de inclusão da mulher. — Um exemplo é a Coreia do Sul. Mesmo sendo um país mais conservador, em que depois de ter filhos as coreanas tendem a ficar mais tempo fora do mercado, nas crises econômicas elas voltam mais rapidamente ao trabalho em razão do alto nível de instrução, que lhes traz confiança de êxito.
Hoje, no Brasil, do total de mulheres com idade para trabalhar (acima de 14 anos), 52,5% estão no mercado, segundo o IBGE. Esse percentual cresceu em relação a 2014, quando era 50,4%, e é maior que a média mundial atual para elas (48,5%), segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As mulheres que conseguiram uma ocupação durante a crise não ganharam postos que os homens perderam. Elas estão criando os seus próprios empregos. Fazendo sabonete artesanal, biscoitos, roupas
Coordenadora do Núcleo Transdisciplinar de Estudos de Gênero da UFF, a economista Hildete Pereira de Melo atribui a efervescência atual do movimento feminista a uma retomada e um crescimento da causa nas universidades, que tiveram sua população ampliada no país neste século. Pioneira nos estudos de gênero na UFF, na década de 1970, ao lado de Raquel Soihete, Sueli Gomes Costa e Felisberta Trindade, a professora destaca mudanças na instituição, com maior engajamento no meio acadêmico.
— Naquela época não falávamos em gênero, mas em estudos da mulher, e era uma heresia. Hoje, a UFF tem núcleos de professoras que se multiplicaram em todos os cursos para discutir questões de gênero, sem contar o número de estudantes engajadas, que só aumenta. Eu fico impressionada. Andar no campus é uma delícia, você vê mulheres propagando a causa por toda a parte. A multiplicação do movimento feminista vem pela universidade, mas agora essa questão já está muito fincada. Esse feminismo do século XXI passa pela ampliação da população universitária brasileira, embora seja permeado pela sociedade como um todo, na medida em que as redes sociais contribuem muito para essa efervescência — avalia a feminista.
Com um texto recente sobre o PIB per capita feminino, feito em parceria com as economistas da UFF Lucilene Morandi e Ruth Dweck, Hildete disserta sobre a diferença salarial entre os sexos.
— A escolaridade não é suficiente para dar maioridade salarial às mulheres. Apesar de a escolaridade das mulheres ser maior, quanto mais educada é a mulher maior a diferença salarial entre um homem na mesma situação — ressalta a professora, lembrando da dificuldade de discutir gênero entre seus pares na Faculdade de Economia. — A vida inteira construí pesquisas com assuntos econômicos e, em paralelo, a questão da mulher. Aos poucos, fui alinhavando os assuntos. Na economia, as mulheres sempre foram simpáticas ao feminismo, mas não eram militantes da causa. Não conseguia implantar o núcleo lá, não tinha aderência. Só em 2016 desenvolvemos um projeto grande sobre mulher na política, e esse projeto permitiu fazer uma agregação com outras professoras, como a Lucilene e a Ruth.