por Lucilene | ago 24, 2020 | Clippings
Número refere-se à segunda quinzena de março, período que marca início da quarentena para conter a propagação do novo coronavírus
Cássia Almeida e Leda Antunes
A crise causada pelo coronavírus é mais dramática para as mulheres e empurra boa parte da força de trabalho feminina de volta para casa. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) mostrou que 7 milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho na última quinzena de março, quando começou a quarentena.
São dois milhões a mais que o número de homens na mesma situação. Além da demissão, elas têm mais dificuldades para procurar uma vaga e se manter no mercado.
Pelos cálculos do pesquisador Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é primeira vez nos últimos três anos que a maioria das mulheres está fora da força de trabalho (que são os que estão trabalhando ou procurando emprego).
— Se a participação feminina ainda fosse a média dos três anos anteriores, o esperado seria haver 46 milhões de mulheres na força de trabalho e 41 milhões fora dela. A maioria das mulheres estava na força de trabalho. Agora, a maioria ficou fora — afirma Hecksher, que desagregou os dados trimestrais do IBGE em quinzenais, para isolar o período inicial da quarentena.
Com a quarentena, o número de desempregados (aqueles trabalhadores que tomaram alguma providência para conseguir emprego) não reflete com precisão a crise no mercado. A Pnad Covid-19, com dados de maio, mostra que 17,7 milhões de trabalhadores não conseguiram procurar trabalho por causa da pandemia.
No trimestre inteiro, que inclui dados de janeiro e fevereiro, o número de mulheres que perderam o trabalho foi 25% maior que o de homens.
Impacto na família
No dia 8 de abril, foi a vez da comerciária Gabriela de Moura ser demitida. Era caixa numa rede de roupas femininas, que cortou metade dos funcionários e só forneceu a documentação para requerer seguro-desemprego e FGTS.
— Indenização, eles falaram para procurar na Justiça — conta Gabriela que mora com a sogra, o marido e a filha de 8 anos, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio.
Ela já tirou a filha da escola e vai mudar do bairro. A sogra, que custeava o aluguel, perdeu a fonte de renda de uma locação, e a família deve ir morar no Méier, na Zona Norte. O marido, que atua na segurança de redes de dados, continua trabalhando remotamente.
Segundo a socióloga Bila Sorj, da UFRJ, o tipo de trabalho que as mulheres conseguem é fator importante para explicar a pior situação delas:
— Os homens têm mais oportunidade para o teletrabalho. Como estão em ocupações mais precárias, que necessitam de contato, elas são demitidas.
As altas do desemprego e da informalidade desde 2014 já deixaram a mulher em situação mais vulnerável, afirma a economista Lucilene Morandi, que coordena o Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia da UFF:
— Quando há crise, as mulheres geralmente são expulsas mais rapidamente do mercado de trabalho. Apesar de terem um nível educacional mais alto do que eles, estão mais no emprego informal, de meio período e de serviços, setores muito impactados agora.
Segundo Thiago Xavier, da Consultoria Tendências, esse choque aumenta a desigualdade por atingir grupos que já são mais vulneráveis e ganham menos, como as mulheres. Enquanto a população ocupada caiu no primeiro trimestre 3,4% em relação a 2019, entre as domésticas, a queda foi quase três vezes maior: 10,1%:
— A média esconde o que acontece nos grupos específicos. As mulheres estão mais sobrecarregadas com o trabalho doméstico e com as crianças que estão fora da escola.
Depois de quase 12 anos trabalhando como empregada doméstica para a mesma família, Márcia da Conceição Gomes, 47 anos, foi demitida no fim de abril.
E não pretende procurar emprego imediatamente, para não expor o marido, que tem mais de 60 anos e é diabético, à pandemia.
— Eu havia pedido para tirar os 23 dias restantes de férias que eu tinha direito, porque moro com meu marido, que é do grupo de risco da Covid-19 — conta Márcia.
Ela está se sustentando com o salário dele, que trabalha em home office, e com o que sacou do FGTS na demissão. Márcia pediu o seguro-desemprego, mas ainda não recebeu:
— Agora é muito mais difícil arrumar outra coisa. Vou esperar essa fase passar, porque parece que está cada dia pior.
A economista Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa, também do Ipea, lembra que, entre as mulheres, há as que estão em situação pior, como as negras e as mães sozinhas:
— O impacto da crise é diferente para uma chefe de família solteira. Também é preciso fazer recorte de raça. As mulheres negras já têm relações mais precárias de trabalho. Uma empregada doméstica não pode trabalhar remotamente. E uma proporção muito alta de mulheres negras tem emprego doméstico.
Aumento da desigualdade
Estudo do economista Naercio Menezes Filho, do Insper, mostra exposição maior das mulheres à recessão: elas são maioria nas atividades mais afetadas pela crise. Representam 52,1% entre as mais vulneráveis. Nas funções menos afetadas, a presença masculina é maior: 61,8%.
Um maior impacto da pandemia para as mulheres já era esperado e vinha sendo discutido por especialistas, diz Ana Luiza Barbosa, do Ipea. A economista ressalta que, nos Estados Unidos, as mulheres também foram mais afetadas que os homens pelo desemprego, ao contrário do que aconteceu nas últimas grandes crises econômicas, como a de 2008.
— Em geral, quando se tem uma crise econômica muito forte, os homens são mais afetados pois tradicionalmente estão mais presentes em setores da indústria, da construção. Já as mulheres tem presença maior nos empregos menos qualificados, na atividade informal e nas funções em que há mais rigidez em relação ao trabalho remoto — explica.
Ana Luiza avalia que a crise atual deve aprofundar as desigualdades de gênero, mas pode abrir caminho para novas relações de trabalho para mulheres:
— A crise aumenta a desigualdade de gênero e raça. Por outro lado, há uma força que é a reestruturação do trabalho, uma flexibilização para facilitar o trabalho em casa e conciliar com o cuidado dos filhos. Pode beneficiar as que já têm emprego formal e fragilizar quem já é mais afetado .
Lucilene Morandi, da UFF, prevê que a alta da desigualdade vai ter efeito a longo prazo:
— No novo normal, é preciso que existam políticas específicas. Não dá para se pensar política pública sem fazer o recorte de gênero e raça. Sem isso, não se faz uma política pública adequada.
por Lucilene | abr 3, 2020 | Clippings
Especialistas e organizações apontam que elas ficam mais vulneráveis à violência e aos efeitos da redução da atividade econômica
Por Leda Antunes
Os impactos sociais e econômicos da pandemia de coronavírus são diferentes para homens e mulheres. Especialistas e organizações alertam que é preciso levar em conta essas diferenças na hora de se pensar as respostas para esta emergência global. No Brasil, as mulheres, sobretudo as negras, estão entre os grupos mais vulneráveis aos efeitos desta crise.
Podemos pensar que as mulheres terão a maior perda de renda neste período, já que compõem a maior parte dos trabalhadores informais na maioria das atividades econômicas. Além disso, a gente sabe que um percentual grande das famílias, cerca de 45%, são chefiadas por mulheres. Então isso não vai afetar só a renda delas, mas dos seus filhos e dependentes, que também ficarão mais vulneráveis
Lucilene Morandi
Os impactos sobre a população feminina se manifestam em diversas dimensões. Elas estão mais sujeitas aos efeitos da redução da atividade econômica, uma vez que representam boa parte dos trabalhadores informais, os mais vulneráveis em períodos de recessão. Além disso, são a maioria no trabalho doméstico remunerado, que é majoritariamente informal.
por Lucilene | set 8, 2019 | Clippings
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), avaliou a diferença salarial entre homens e mulheres em diferentes setores do mercado de trabalho e concluiu que, por hora trabalhada, as mulheres recebem 17% a menos em relação aos homens. O número é uma média entre todos os países da região. No Brasil, a diferença é ainda maior: 25% nos empregos formais e autônomos.
“Mulheres no mundo do trabalho: desafios em direção à equidade efetiva na América Latina e Caribe”, realizado pela agência das Nações Unidas , considerou critérios igualitários como homens e mulheres que exercem a mesma função, na mesma região e possuem a mesma formação educacional.
O panorama geral é de redução da desigualdade salarial nos últimos anos e maior participação das mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho é de 52,3%, enquanto a masculina é de 72%. Mas para o economista regional da OIT e um dos responsáveis pelo estudo, Hugo Ñopo, esse processo de mudança tem sido muito lento .
— As mudanças são na direção correta, o problema está na velocidade desses movimentos. A participação feminina no mercado de trabalho, em geral, está melhorando. Mas a taxa ainda é muito baixa. É preciso pensar políticas culturais para acelerar esse movimento — afirma o pesquisador. — Por um lado, a cultura pode mudar. É possível, muda, e isto é bom. Por outro lado, a parte negativa é que a cultura não muda imediatamente, leva um tempo. Por isso é preciso trabalhar políticas de médio e longo prazo.
por Lucilene | jul 23, 2019 | Clippings
RIO – O caminho que leva uma mulher ao empreendedorismo nem sempre envolve o sonho de abrir o próprio negócio, uma ideia genial ou o desejo de ser chefe de si mesma. A decisão acontece, em muitos casos, depois da maternidade e por pura necessidade. A ausência de flexibilidade nas empresas e a falta de vagas em creches estão entre os fatores que empurram as mães para fora do mercado formal de trabalho. Sem um emprego com carteira assinada, o jeito é arregaçar as mangas e “se virar”.
— As mulheres acabam sendo empurradas ao empreendedorismo depois que se tornam mães. O ambiente corporativo ainda é muito hostil para as mulheres. Quando elas se tornam mães, viram “persona non grata” nas corporações — explica Ana Fontes, presidente do Instituto Rede Mulher Empreendedora.
A instituição criada por Fontes é responsável por um levantamento feito em 2016 que mostrou que foi após a maternidade que 75% das empreendedoras decidiram ter um negócio próprio. Na classe C, esse percentual sobe para 83%.
Ainda são excepcionais os postos de trabalho em que há flexibilidade. Para a maioria das empresas, a mulher se torna “menos confiável” quando vira mãe, porque é ela quem cobre todos os problemas relacionados à família. Ela arca sozinha com todo esse custo.
Lucilene Morandi
— Elas são levadas a isso pela falta de oportunidade de emprego e pela falta de amparo social para cuidar dos filhos — afirma Lucilene Morandi, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). — Ainda são excepcionais os postos de trabalho em que há flexibilidade. Para a maioria das empresas, a mulher se torna “menos confiável” quando vira mãe, porque é ela quem cobre todos os problemas relacionados à família. Ela arca sozinha com todo esse custo.
por Lucilene | jul 5, 2019 | Clippings
RIO – O Ministério Público do Trabalho (MPT) encaminhou à Procuradoria Geral da República (PGR) a proposta de um projeto de lei para que os últimos 60 dias da licença-maternidade possam ser assumidos pelo pai . Se aprovada, a lei que cria a chamada licença parental valerá apenas para servidores do Ministério Público da União. Hoje, no serviço público, a licença-maternidade para as mães é de 180 dias. Os pais ganham 20 dias . Na iniciativa privada, ela é de 120 dias para as mães, podendo ser estendida por mais 60 dias. Para os pais, é de 5 dias, podendo ser ampliada por mais 15.
A intenção do MPT é que a iniciativa estimule a adoção desse modelo por outros órgãos e pela iniciativa privada, a exemplo do que ocorreu com a regulamentação do uso do nome social por travestis e transexuais . Em 2015, o órgão foi precursor na implementação dessa medida, que acabou sendo reproduzida por outras instituições.
A proposta, que está em análise na PGR, prevê que, numa licença de 180 dias ou seis meses, a mãe fique com a criança por quatro meses e o pai, caso queira, assuma essa responsabilidade pelos dois meses restantes. Esse tipo de licença, compartilhada, é comum em países europeus . Na Dinamarca, desde 1980, já é possível que o pai assuma parte da licença, se for interesse do casal. Em Portugal e na Suécia, a licença é dividida de forma obrigatória entre homens e mulheres, dentro do período total.
– O homem não tem que ajudar, mas dividir essa responsabilidade com a mulher. É uma medida fundamental para alcançarmos a igualdade de gênero. A mulher sofre muita discriminação no mercado de trabalho por somente ela ter de se afastar do emprego após o parto . É um peso que recai apenas sobre a mulher. É muito comum que ela seja demitida ao voltar da licença, após tantos meses ausente – diz a subprocuradora-geral do MPT, Sandra Lia Simón.
No caso do funcionalismo público, para quem valerá a lei, se aprovada, apesar da estabilidade afastar o risco de desligamento da mulher, Sandra conta que a maternidade, muitas vezes, respinga na perda de cargo de chefia no retorno da licença .
– Com isso, a mulher tem seu salário reduzido e perde benefícios – conta a subprocuradora, que espera que a ideia sensibilize algum parlamentar a apresentar projeto semelhante, na Câmara, que abranja a todas as trabalhadoras da iniciativa privada.
A coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF, Lucilene Morandi, diz que a proposta é uma boa forma de iniciar o debate sobre a necessidade de se estabelecer uma licença compartilhada no país. Ela entende, no entanto, que a proposta deveria manter a licença-maternidade de 180 dias e estender a do pai, dos atuais 20 dias para dois meses.