Mulheres que saem do mercado após ter filhos, só retornam em posições menores

Mulheres que saem do mercado após ter filhos, só retornam em posições menores

Vanessa Gabriel sempre sonhou com a carreira de atriz e começou a fazer campanhas comerciais a partir dos quatro anos. Entretanto, mais tarde, uma notícia interrompeu a carreira: uma gravidez inesperada.

Eu tive sorte que eu estava no final de um papel, então tive direito à licença-maternidade. Mas, como engordei 30 quilos na gravidez, não consegui outros papéis.

Vanessa Gabriel

Estar presente na infância do filho foi a escolha da jovem, de 28 anos, que passou a contar com o apoio financeiro da mãe e do marido. Porém, quando a criança completou dois anos, Vanessa achou que era a hora de retornar, mas não conseguiu vagas nem como atriz, nem como publicitária, sua formação acadêmica.

De acordo com a doutora em economia Lucilene Morandi, as mulheres se tornam menos competitivas que os homens durante a idade fértil, seja porque optam por trabalhos de meio período, ou porque saem de seus cargos para cuidarem dos rebentos. Somente a partir dos 40 anos, a diferença salarial entre os sexos se torna menos significativa.

-Nessa volta, a maioria das mulheres volta em cargos menores. Por isso, é importante a prática, já adotada em países mais desenvolvidos, de ofertar cursos de treinamento para essas mulheres, como incentivo para que elas voltem ao mercado de trabalho.

Para conseguir algum tipo de renda, Vanessa começou a trabalhar freelancer como modelo de maquiagens. A jovem recebe por diária de maquiadores que precisam demonstrar suas técnicas em cursos de beleza. Segundo a doutora em economia, Hildete Pereira, em 1991, o PIB per capita feminino era 27% do masculino, já em 2015, apesar de a escolaridade das mulheres ser maior que a dos homens, o PIB feminino ainda representa só 57% do deles.

A escolaridade foi um prêmio, mas ela não resolveu a desigualdade.

Metade das novas empreendedoras abre negócio por necessidade

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Entre as novas empresárias, 48% iniciam a atividade porque precisam complementar a renda ou buscam recolocação no mercado de trabalho, é o que revela a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016. Esse número cai para 37% quando se trata de homens.

Conciliar o trabalho profissional, de carteira assinada, e o cuidado dos filhos é tarefa difícil para muitas mulheres. Isso porque, de acordo com a doutora em economia Hildete Pereira, apenas 30% das crianças brasileiras entre 0-3 anos de idade conseguem vagas em creches públicas. Segundo a também doutora em economia Lucilene Morandi, no Brasil, há a cultura de o trabalho doméstico feminino ser substituído pelo trabalho de outra mulher contratada. Entretanto, quando a família não tem condições de arcar com tal despesa, muitas avós assumem a responsabilidade pelas crianças.

-É possível notar um pico de horas gastas no trabalho doméstico, declaradas pelas mulheres acima de 60 anos na pesquisa do IBGE [PNAD Contínua], o que mostra a nova tendência de muitas avós entrarem em ação para ajudar as filhas. – analisa.

Lucilene Morandi

Porém, nem sempre é possível arcar com os custos de uma babá, uma creche particular ou ter o auxílio de algum parente, o que impulsiona mães a deixarem seus empregos formais, como a maquiadora Vivian Alvarenga, após o nascimento do seu segundo filho.

-O valor que eu ganhava de salário era quase igual ao que eu tinha que pagar para a moça que cuidava deles. Então resolvi colocar na balança, pedir demissão e fazer um curso de maquiagem, para ter mais flexibilidade.- explica Vivian.

De acordo com a pesquisa ‘Donos de Negócio no Brasil’, do Sebrae, entre 2001 e 2014, o número de brasileiras empresárias cresceu 34%, sendo que 35% dessas mulheres empreendem em casa. Nos dois primeiros anos como autônoma, Vivian viu a renda declinar, mas conquistou clientela e não se arrepende da escolha.

-Hoje eu consigo ser mais mãe, que antes. Sinto não ter aproveitado fases da infância deles e, embora eu não tenha mais um salário fixo por mês, acho que trabalhar com o que você ama não tem preço. – conclui.

Psicóloga cria rede de troca de serviços e informações entre mães autônomas e desempregadas

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Segundo uma pesquisa da FGV, sobre licença maternidade e mercado de trabalho, a presença de um filho pequeno na família é um grande responsável para a baixa participação das mulheres no mercado de trabalho. O estudo revelou que só 41% das mulheres entre 25 e 44 anos e com um filho de até um ano de idade estavam empregadas, sendo que somente 28% destas mulheres trabalhavam 35 horas ou mais por semana no Brasil. Em contrapartida, 92% dos homens, nas mesmas condições, estavam trabalhando e 82% em atividades com 35 horas ou mais de carga horária semanal.

A psicóloga Nathália Fraga sempre sonhou com a maternidade e não enfrentou problemas no mercado de trabalho após o primeiro filho. Entretanto, após a segunda gravidez e uma licença-maternidade de seis meses se deparou com uma surpresa: a demissão. Enxergando um cenário de crise, Nathália decidiu arriscar e investir na carreira de coaching, para ter flexibilidade de horários e acompanhar o crescimento dos filhos.

– Até fazer uma carteira de clientes, demorou um pouco. Nesse período, em que saí de um emprego formal e optei pelo empreendedorismo, a minha renda caiu cerca de 50%.

De acordo com a doutora em economia Hildete Pereira, alguns empregadores descriminam mulheres com filhos pequenos por crerem que elas irão faltar o trabalho com frequência, em casos de doenças dos filhos ou reuniões escolares. No entanto, as pesquisas revelam que os homens têm mais ausências por conta de alcoolismo, que as mulheres por causa dos rebentos. O advogado trabalhista e sócio da BMA, Luiz Marcelo Góis, esclarece que a mulher só tem direito a uma ausência no emprego, para levar o bebê ao médico, desde que a criança tenha até seis meses.

Visando ajudar outras mães que passaram pelo mesmo dilema: estar perto dos filhos e, ao mesmo tempo, ser bem-sucedida profissionalmente, a psicóloga criou o “conexão mamães online”. O projeto é uma rede na qual mães se ajudam em aspectos profissionais, através da troca de serviços, e em relação a dúvidas da maternidade”.

– Só quem sabe o drama que é ser mãe, com bebê pequeno, é quem passou por isso. Foi uma forma de a gente se abraçar e se ajudar.

Nathália explica que as interações no grupo são as mais diversas. Por exemplo, é possível que uma mãe nutricionista ajude outra que tem dificuldades com a alimentação do filho; ou que uma mãe consultora digital ajude outra a reposicionar a sua empresa no mundo online.

Para a doutora em economia e professora da UFF, Lucilene Morandi, enquanto a sociedade enxergar o custo da maternidade como exclusivo da mulher, ela vai continuar não competitiva no mercado de trabalho:

– Precisamos de políticas públicas que entendam que o custo de procriação é social e tem que ser dividido entre todos, o que não acontece hoje ainda.

Outra solução, apresentada pela professora, é uma prática adotada em países desenvolvidos: dar benefícios às empresas que dão oportunidade a mulheres que voltam ao mercado tardiamente, seja porque se ausentaram na infância das crianças ou retornando em período integral.

Metade das mulheres deixa o mercado de trabalho um ano após o início da licença maternidade

Metade das mulheres deixa o mercado de trabalho um ano após o início da licença maternidade

De acordo com a pesquisa “Licença maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, realizada pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE), metade das mulheres com a trajetória profissional analisada no estudo estava fora do mercado de trabalho 12 meses após o início da licença maternidade. Os motivos para a saída são inúmeros: demissão, falta de vagas em creches ou, ainda, renda insuficiente para contratar uma babá. Amanda de Lima, de 25 anos, é apenas mais um exemplo entre tantas mulheres que passam por esse drama.

Moradora da Baixada Fluminense, no Rio, a jovem engravidou dois meses após se casar e logo avisou a empresa na qual trabalhava. Entretanto, teve problemas ao longo da gravidez para ir a consultas médicas, e foi demitida no mesmo dia em que retornou ao trabalho.

Eu cheguei, entreguei o papel da pediatra, que falava que eu tinha direito a um período para amamentar, e duas horas depois me mandaram embora.

Amanda de Lima

A pesquisa ainda revela que a presença de um filho pequeno na família é uma grande responsável para a baixa participação das mulheres no mercado de trabalho. O percentual de mulheres empregadas entre 25 e 44 anos e com um filho de até um ano de idade cai para 41%. E somente 28% destas mulheres trabalham 35 horas ou mais por semana no Brasil. No caso dos homens, o perfil é oposto: 92% dos homens com filhos de até um ano estavam trabalhando, sendo que 82% em atividades com 35 horas ou mais de carga horária semanal.

A discriminação nem sempre acontece de forma velada. Durante uma entrevista de emprego, Amanda ouviu da entrevistadora que não estava apta para a vaga por causa da filha pequena. Apenas aos dois anos da filha, a jovem conseguiu um emprego de meio-período, em uma escola. Em casos como esse, em que há provas de preconceito, a mulher pode recorrer à justiça. Segundo a doutora em economia e professora da UFF, Lucilene Morandi, dos 25 aos 44 anos, as mulheres perdem competitividade no mercado de trabalho, já que saem dos empregos para cuidar das crianças, quando não têm apoio para esse cuidado ou condições financeiras para pagar por isso; ou partem para empregos de menor qualificação, ou de período parcial.

Para a doutora em economia e professora da UFF, Hildete Pereira, mesmo com a licença maternidade, o mercado de trabalho é penoso para as mulheres, já que a conciliação entre a jornada fora de casa e os trabalhos domésticos ainda não é equilibrada entre os sexos. Ainda de acordo com a professora, em 1932, a licença maternidade foi estabelecida pela CLT, sendo um custo da empresa, o que resultava na saída das mulheres do mercado de trabalho após o casamento:

– Quando você casava, já sabia que tinha que pedir demissão. Além disso, ainda tinha outro problema, mulher casada só podia trabalhar caso o marido permitisse. O código civil dizia que o homem podia ir na empresa e dizer que o ofício estava atrapalhando a família. Aí, a empresa era obrigada a demiti-la. Essa questão só foi resolvida em 1967, quando o estado passou a assumir o custo e essa questão não ficou tão explícita – conta, Hildete.

A estabilidade relacionada à maternidade abrange todo o período da gravidez e o da licença maternidade, a qual começa 28 dias antes do parto e vai até 92 dias depois. No entanto, quando a grávida trabalha até perto da data do nascimento do bebê, as empresas podem fazer um acordo e estender a licença no pós-parto. Há ainda empresas-cidadãs, as quais oferecem seis meses de licença maternidade. Nesse último caso, a mulher retorna ao trabalho sem estabilidade.

Segundo o advogado trabalhista Luiz Marcelo Góis, durante a gravidez, a mulher tem direito a se ausentar seis vezes, desde que munida de atestado médico, para ir a consultas ou exames. Caso seja necessário um afastamento antecipado, a mulher tem direito ao auxílio doença, benefício independente da licença maternidade. Já o benefício da amamentação, em que a lactante tem direito a duas pausas de 30 minutos em períodos diferentes para amamentar, se estende somente até os seis meses da criança. Com a reforma trabalhista, ele pode ser negociado entre a mãe e a empresa. Dessa forma, a beneficiária pode chegar uma hora mais tarde ou sair mais cedo, ou ainda estender o horário de almoço.

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