RIO – Até 2030, a participação feminina no mercado de trabalho brasileiro deve crescer mais que a masculina, indica estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mudanças culturais, a conquista de direitos e um maior investimento em educação pelas mulheres explicam o movimento. Com mais anos de estudo e em maioria no ensino superior, elas se tornaram uma mão de obra mais qualificada que a masculina, apontam especialistas.
Os pesquisadores estimam que, daqui onze anos, 64,3% das mulheres consideradas em idade ativa, com 17 a 70 anos, estarão empregadas ou buscando trabalho. No início dos anos 1990, essa parcela era menor (56,1%). Já a participação masculina deve encolher de 89,6% para 82,7% nessas quatro décadas. As projeções foram feitas a partir de dados da Pesquisa Pnad Contínua, do IBGE. Elas não incorporam os efeitos da provável aprovação da reforma da Previdência, que fará com que os brasileiros se retirem mais tarde do mercado de trabalho.
O técnico de Planejamento e Pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Miguel Foguel, e um dos autores do estudo, diz que o efeito geracional é a explicação mais evidente para esse aumento:
— As gerações femininas mais novas têm maior propensão a participar do mercado. Houve mudanças nos padrões culturais e quebras de estereótipos do papel da mulher, ainda que se tenha muito a avançar. A lei do divórcio, criada nos anos 1970, e o desenvolvimento da tecnologia, que aparelhou muitas casas e diminuiu o tempo gasto pelas mulheres nos afazeres domésticos, ajudaram a taxa de participação feminina crescer.
A coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF, Lucilene Morandi, observa que não só aumentou o número de mulheres trabalhadoras como elas também chegam ao mercado mais escolarizadas que os homens.
Para Foguel, a maior escolaridade feminina pode ajudar a explicar a tendência de queda da participação do homem no mundo laboral:
— Num mercado que passou a exigir cada vez mais qualificação, as mulheres levam vantagem e acabam substituindo os homens em algumas funções.
Apesar dessas conquistas, as mulheres ainda são maioria na informalidade, onde se ganha os menores salários, e minoria em cargos de liderança, que pagam mais.
— A renda das mulheres acompanhou a alta da escolaridade, mas a diminuição da diferença em relação ao salário do homem parece ter alcançado um teto. E a tendência é a desigualdade voltar a aumentar, pois são as mulheres que ficam com as piores ocupações ou perdem mais o emprego em anos de crise, como os que vivemos — observa Lucilene.
Em 2004, mulheres ganhavam 70% do que recebia o homem; em 2005, 71%, parcela que permaneceu até 2009, chegando a 76,8% em 2014 e 79,5% em 2018. A pesquisa do IPEA não fez projeções para a evolução das renda desses dois grupos.
Apesar das projeções indicarem crescimento da participação feminina no mundo laboral, em 2030 mais de um terço (35,5%) das mulheres em idade de trabalhar ainda estarão fora do mercado, de acordo com o estudo. A responsabilidade pelos cuidados da casa, de filhos e idosos da família, que recai sobre a mulher; a ausência de licença-paternidade remunerada e a falta de creches públicas de qualidade são barreiras à busca por emprego e reforçam a falsa percepção de a mão de obra feminina ser menos produtiva.
Automação põe em risco avanço maior
A automação do setor produtivo põe em risco a redução da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Globalmente, entre 40 milhões e 160 milhões de mulheres terão de mudar de carreira até 2030 para se adaptarem a um novo mercado de trabalho. A conclusão é de um estudo divulgado este mês pela consultoria empresarial americana McKinsey.
De acordo com o documento, intitulado “O futuro das mulheres no trabalho: transições na era da automação”, essas mulheres terão de aumentar seus anos de estudo ou se requalificar para não se verem seus salários encolherem ou terem de sair do mercado. O risco existe porque muitos dos trabalhos que concentram mão de obra feminina, como de atendimento ao cliente, caixas de supermercado e secretariado, serão automatizados. E as chamadas profissões do futuro demandarão profissionais das áreas das Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, onde a participação feminina é baixa.
— Todo trabalho repetitivo e manual tende a ser automatizado. A mulher terá de aprender a lidar com a tecnologia porque é uma habilidade que as empresas que pagarão os melhores salários vão exigir — alerta Fernanda Mayol, sócia da prática de Organização da McKinsey no Rio.
Atenta às tendências, a estudante do terceiro ano de uma escola técnica da capital paulista, Maria Isabel Dias de Oliveira, de 17 anos, já tem no currículo um curso de programação e planos bem traçados para o futuro. Vai prestar vestibular para o curso de Ciências da Computação e, quando concluir a graduação, pretende fazer uma pós em neurociência.
— Nunca fui muito boa em matemática, mas vi um documentário sobre a Grace Hopper, uma analista de sistemas da Marinha americana que inventou o conceito debug, e passei a me interessar. Como gosto muito de biologia, pensei em juntar as duas coisas. Por isso escolhi esse curso e pretendo fazer a pós em neurociência — conta a adolescente, que faz técnico em Química.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF, Lucilene Morandi a participação das famílias na criação da novas gerações é fundamental para a sobrevivência das mulheres no mercado do futuro:
— As meninas são treinadas desde criancinha a não se envolver com as áreas das ciências exatas, por dos brinquedos e elogios que recebem dos pais e familiares. E a gente escolhe o que a gente conhece e o que está perto. Por isso é importante elas conhecerem exemplos de mulheres bem-sucedidas nessas áreas desde crianças.